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Morte sem glória ou prematura

      Representantes da nova geração de cinéfilos de Belo Horizonte, em 1965, esquecem um pouco as revistas francesas e partem com Joaquim Pedro e Roberto Santos na direção das serras de Diamantina para as filmagens de “A Hora e Vez de Augusto Matraga” e “Negro Amor de Rendas Brancas” (“O Padre e a Moça”). Na volta, fundam com os amigos que ficaram o Centro Mineiro de Cinema Experimental – CEMICE, que realiza o 1º curta de Castelar (“O Milagre de Lourdes”) e participa de outros.

      Pouco antes, o crítico José Haroldo Pereira não fora bem-sucedido na tentativa de produzir um longa-metragem através de modelo alternativo ao do Cinema Novo, devido à eclosão do drama de 64 – contido no relato de “Castelar e Nelson Dantas”, gravado sobre imagens quase contemporâneas de Humberto Mauro.

      Castelar vai para o Rio trabalhar como diretor-assistente de “Macunaíma”, leva Noeme e hospeda o ítalo-paulistano Andrea Tonacci, que resolve dirigir na capital de Minas seu conceituado “Bang-bang”. Ao mesmo tempo, Maurício Gomes Leite – da geração anterior – produz o longa-metragem “A Vida Provisória” com empréstimo bancário e enfrenta momentos difíceis.

      O banco de desenvolvimento do estado financia Maurício, Castelar e Schubert Magalhães. O 1º nem chega a filmar, usando o dinheiro para pagar as dívidas; o 2º filma, não consegue exibir e cria com JHP um método de ganhar na loteria esportiva que o ajuda a resolver o seu problema no banco; Schubert exibe, mas o débito era tão grande que ele e Victor de Almeida são obrigados a vender as suas casas para ficar com o nome limpo.

      Desempregado, Castelar vira diretor de produção de

“Os Inconfidentes”. MGL arranja emprego na UNESCO em Paris.

David Neves, carioca de Minas, roda “Memória de Helena”.

      No Álvaro’s do Leblon, Noeme presta atenção em Paulo Mendes Campos, que assegura:

      - O mineiro gosta de continuar fendido em sua personalidade, irresoluto entre a volúpia de possuir o ouro e a roaz delícia de perdê-lo.

      Depois de “Os Inconfidentes” o cinema de Minas secou. Schubert permaneceu em Belo Horizonte, imaginando a cada dia uma história, que contava na Cantina do Lucas, chegando a colocar no papel “Rudge e Ludge no País das Araras”, que não decolou. Miltão foi assessorar em Brasília e mesmo do Piantella continuou exercendo nos filmes de Castelar um papel relevante:

      “Perdida” foi proibido pela Censura e liberado com cortes depois, em decorrência de seu trabalho às mesas do restaurante. Castelar recebeu o Golfinho de Ouro e a Coruja de melhor filme do ano, pela 1ª vez escolhido por sindicatos e associações. A Embrafilme transferiu a entrega do prêmio, sem a pompa do Teatro Municipal do Rio, para local menos observado.

      Em Belo Vale, Burt e Lollô (os guerrilheiros amigos) exultam com os troféus. Noeme acredita que o companheiro está forte e o troca pelas montanhas de Minas, aderindo de vez à guerrilha.

      Na década seguinte, Joaquim dá vida a “O Aleijadinho”, legendário roteiro de Lúcio Costa. Com recursos abundantes, tanto que despencou da grua ao lado de Pedro de Moraes, fraturando ossos.

      Castelar filma “Cabaret Mineiro”. Alberto Graça, seu conterrâneo, estréia no longa-metragem com o poema político “Memórias do Medo”, provocando o comentário de MGL, também criado na princesa do sertão:  

      - Nos Estados Unidos existe uma cidade chamada La Crosse, no estado de Wisconsin, onde nasceram Nick Ray e Joseph Losey – bem perto, em Kenosha, veio ao mundo Orson Welles. E esse mistério, como você explica? Nada de surpreendente. O mistério está na paisagem de lá. E eu ainda não encontrei, nas minhas andadas pelo mundo, plano geral mais bonito do que as colinas que cercam Montes Claros, ali atrás da rua da fábrica, algo parecido só na chegada de trem a Madri.

      Mas do lado da beleza há também o perigo, afirma Noeme em carta sobre o interior da gruta onde habita e percebe rastros de animais silvestres, inclusive de onças.

      Uma caçadora de subversivos prende a missivista, mas seus amigos escapam. Burt consegue colocação em Cuba e Lollô como pesquisadora em Manguinhos, antes de também capitular, num movimento isolado.

      No início dos anos 80, Schubert bate as botas na mesma Cantina do Lucas onde contava com grande desembaraço os seus roteiros, deixando por legado diversas preciosidades, como o curta-metragem surrealista intitulado “Aleluia”.

      Na beira da piscina do escritório, nos preparativos de “Noites do Sertão”, Castelar ouve de uma auxiliar de biquíni a notícia do passamento e não consegue disfarçar a tristeza, mesmo auxiliado pela visão de inúmeros pares de coxas femininas.

 

      A vista deslumbrante da fortaleza de Santa Cruz, em Niterói. Lollô, na casamata vazia, aguarda. Noeme, na cela, canta a seresta de Catulo que a amiga cantava para ela, antes de alguma operação.

      Lollô ouve e esboça um sorriso, apesar do pânico, na atmosfera surreal.

      A caçadora de subversivos prepara sua navalha para realizar o corte capilar. Câmera desliza suavemente até Lollô. O mar se enxerga do cubículo da fortaleza reservado ordinariamente a canhões.

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